Direito Trabalhista: Em que momento o sócio retirante deixa de ter responsabilidade pelas obrigações trabalhistas da sociedade em que figurou como sócio?
Não há quem não se anime em palestras de empreendedorismo, engajamento de novos clientes e fluxo de caixa. Mas pode ser que o sonho do próprio negócio não seja bem como você imagina. Você está preparado?
Posso afirmar, de imediato, que os dois princípios que nortearam as novas leis trabalhistas, em vigor desde novembro de 2017, foram da Proteção ao Crédito Trabalhista e Preservação da Atividade Empresarial.
Mas será fácil harmonizar e balizar estes dois princípios?
A Reforma Trabalhista trouxe, sob muitos ângulos, incentivos, flexibilidades, facilidades e maiores possibilidades aos constituintes de empresas, mas pode ter piorado a condição daqueles que pretendem sair da sociedade e se eximir de suas responsabilidades.
Em regra, pela total omissão da CLT, observava-se integralmente o prazo de 2 (dois) anos previsto no parágrafo único do artigo 1.003 do Código Civil, nos termos dos artigos 769 e 889 da CLT, que assevera:
“Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio”.
No mesmo sentido dispõe o artigo 1.032 do Código Civil:
“A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação”.
Contudo, ao contrário do que se imagina, a contagem do prazo de 2 (dois) anos vai muito além da simples questão matemática de 1+1.
A nova lei trabalhista adotou o entendimento de que o prazo de dois anos devem ser calculados entre a saída do sócio e o ajuizamento da ação trabalhista:
“Artigo 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato […]”
Assim, contanto que a ação esteja ajuizada, o sócio retirante pode ser responsabilizado cinco, dez, quinze anos após a sua saída, uma vez que apenas na fase de execução e a liquidação da sentença para acertamento dos cálculos é que se descobrirá se a pessoa jurídica e os sócios atuais têm patrimônio suficiente para arcar com o débito.
Certamente, o novo entendimento se consolidou a partir da análise reiterada de saídas repentinas dos sócios das empresas, quando a sociedade começava a adquirir dívidas trabalhistas ou estava prestes a sofrer execuções que poderiam levá-las à insolvência.
A jurisprudência sempre se mostrou firme na tentativa de evitar essas fraudes trabalhistas, principalmente diante do entendimento de que o sócio retirante estava na sociedade à época da prestação de serviço e usufruiu da mão de obra do trabalhador, a qual certamente contribuiu de forma direta com o aumento do seu patrimônio. Seria justo, então, que saísse ileso sem precisar olhar pra trás?
Há, ainda, julgadores que argumentam que a nova lei não é para todos e deverá ser aplicada apenas quando demonstrado, provado e comprovado que o ato de sair da sociedade é uma ação genuína do sócio retirante e não acarretará, de forma alguma, em prejuízo aos trabalhadores.
Sendo assim, é importante que o sócio retirante, pelo princípio da boa-fé objetiva, blinde a sua responsabilidade com certidões que comprovem, ao tempo da sua saída, a inexistência de dívidas trabalhistas, ou que, mesmo elas existentes, a sociedade tem patrimônio suficiente para quitá-las.
Além disso, o sócio retirante terá que comprovar a inexistência de fraude pela possível mudança estratégica do contrato social: terá que produzir prova de que não permanece como sócio oculto, não atua como gestor do negócio e não se beneficiou diretamente da exploração da força de trabalho (auferindo com ela aumento do seu patrimônio), para que haja o compasso com os artigos 10 e 448 da CLT.
Conclui-se, então, que a Reforma Trabalhista alterou de forma substancial os entendimentos de que o sócio retirante respondia por dois anos contados entre sua saída e a fase de execução ou simplesmente era sua saída e o mandado de citação, penhora e avaliação. Agora, ele ficará vinculado a um processo trabalhista cuja existência pode até mesmo desconhecer.
Cuidou a norma atual apenas de garantir que o sócio retirante poderá reivindicar o direito de saber de eventual desconsideração societária preliminarmente, nos termos do artigo 855-A da CLT, cujo tema deixaremos para um próximo artigo.
Suficiente saber, portanto, que, as vezes, o fim do jogo ao sócio retirante pode demorar alguns anos a acontecer.
“As informações aqui colocadas são de caráter informativo. Cada caso possui suas particularidades e deve ser avaliado e tratado de forma individualizada. Procure sempre um profissional.”
Flávia Succi Macul
OAB/SP sob número 376.032